Ao redor do planeta, restaurateurs mudam a maneira de cozinhar para usar todas as partes dos animais e cascas, caules e raízes dos vegetais. Para além da comida, outras iniciativas ditam a nova norma
Alimentos que seriam descartados apenas pela aparência danificada, mas que, hoje, são aproveitados
Se reciclar já foi coisa de hippie, felizmente está virando a norma. Qualquer cidadão minimamente pensante não ousa descartar 20 sacos plásticos depois de ir ao mercado ou jogar orgânicos, papel e vidro no mesmo lixo. Os chefs mais engajados há alguns anos mudaram a maneira de cozinhar de forma a aproveitar todas as partes do animal e a integrar cascas, caules e raízes em suas receitas. Desperdiça-se muito menos hoje nas cozinhas profissionais. Mas o ambientalismo na gastronomia está avançando muito além disso.
Compostagem, água filtrada em garrafas de vidro e outras atitudes diminuem o impacto ambiental nos restaurantes afora os pratos, chefs trazem a filosofia para o próprio negócio, com aulas sobre agricultura sustentável e outros assuntos ligados ao tema
Neste ano, veremos cozinheiros buscando novos jeitos de diminuir o impacto ambiental de seus restaurantes. Alguns, na dianteira, estão apontando o caminho a seguir. Máquinas de compostagem vêm surgindo em determinadas cozinhas, por exemplo – e em certos casos, o composto é utilizado ali mesmo, na horta própria. Toalhas de mesa se tornam cada vez mais raras, em boa medida pela enorme quantidade de água necessária para a lavagem. Um número crescente de estabelecimentos passou a oferecer água filtrada de alta qualidade em garrafas de vidro, abolindo as superpoluentes garrafinhas de plástico. Existe até um restaurante zero waste, onde não há uma lata de lixo sequer e aproveita-se tudo. O Silo, em Brighton, Inglaterra, tem talheres descombinados garimpados em mercados de pulgas, usa copos de geleia para servir água, só compra produtos com embalagens biodegradáveis e possui pratos feitos de… sacos plásticos usados, assados em moldes – são lindos!
No restaurante Silo, na Inglaterra, até os pratos têm função ecológica na política zero waste – eles são feitos a partir da reciclagem e modelagem de sacos plásticos
Alguns chefs ultrapassaram os muros de seus negócios e tornaram-se evangelizadores. Dan Barber, papa do movimento verde nos Estados Unidos, fez de seu Blue Hill at Stone Barns um restaurante social. No local, parcialmente aquecido por energia gerada por composto, acontecem aulas sobre agricultura sustentável, compartilhamento de sementes e outros assuntos ligados ao reaproveitamento.
Prato de pizza chips, receita do chef Andreas Caminada, servido com molho à base de vegetais
reaproveitados de outros preparos – a imagem é parte do livro Bread is Gold
O italiano Massimo Bottura, outro chef famoso decidido a exercer sua influência para diminuir o desperdício alimentar, vai ampliar ainda mais seu leque de Refettorios – restaurantes sociais que fazem jantares gratuitos à população carente elaborados com ingredientes descartados. O primeiro deles, inaugurado em 2016 em Milão, com mesas desenhadas por designers como Patricia Urquiola e arte de primeira linha nas paredes, deu origem a filiais no Rio de Janeiro e em Londres. Em março, ele abrirá com os célebres artistas franceses JR e Prune Nourry (ela, radicada no Brooklyn, em Nova York), o quarto Refettorio, na cripta da igreja da Madeleine, no coração de Paris. Juntos, eles estão fazendo um retrofit do cavernoso salão, que já funcionava como restaurante social (tocado pela ONG Foyer la Madeleine), cobrando € 8 por refeição. De look novo, embelezado com obras doadas pelos artistas e louça Bernardaud, entre outros upgrades no décor, o restaurante adotará a filosofia desperdício zero dos demais Refettorios. Talvez tenha guardanapos feitos de lençóis reciclados de hotéis de luxo, como o carioca, onde os comensais limpam a boca com delicados quadrados de algodão 400 fios doados pelo hotel Copacabana Palace, cuja costureira transforma em guardanapos quando não podem mais forrar as camas.
Afora os pratos, chefs trazem a filosofia para o próprio negócio, com aulas sobre agricultura sustentável e outros assuntos ligados ao tema
Há outros dois previstos para serem inaugurados este ano, nos Estados Unidos. O impacto social desses Refettorios vai mais longe do que os espaços em si. A maior prova disso é o recém-lançado best-seller Bread is Gold (Pão é Ouro), da editora Phaidon, que reúne receitas de grandes chefs que cozinharam no Refettorio milanês com sobras (principalmente pão velho, daí o título). Esgotou-se em dias, quebrando recorde de vendas. Prova de que falar de restos na cozinha deixou de ser tabu para virar hype.
Fonte: Casa Vogue
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