quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Código Florestal, retrocesso a galope





Há quase dois anos o país vem discutindo, de forma mais acentuada, propostas para alterar nossa legislação florestal, cuja base data de 1965. Muitos mitos foram criados para justificar essa alteração, como o de que ela fora elaborada no “chutômetro”, sem qualquer base científica – o que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência/SBPC taxativamente negou em estudo entregue há pouco mais de um mês – ou de que alterações posteriores, supostamente feitas sem aprovação do Congresso Nacional, a teriam tornado tão restritiva que mais de 90% dos produtores estariam hoje na ilegalidade.
A verdade é que o lobby pela alteração da lei surgiu justamente quando ela começou a ser aplicada mais amplamente. Mesmo que se possa criticar que uma lei que visa garantir um bom uso da terra seja aplicada apenas com instrumentos coercitivos, é inegável que ela deixou de ser letra morta com o aparelhamento dos órgãos de fiscalização ambiental nas últimas duas décadas. Essa situação pegou de calça curta muitos dos que sempre apostaram em sua inércia, ou seja, que ela nunca seria para valer.
Em julho de 2010 uma comissão especial da Câmara dos Deputados, formada majoritariamente por parlamentares da bancada ruralista, aprovou um projeto que, em resumo, permite a legalização de todas as arbitrariedades cometidas desde sempre contra a lei e nossas florestas. Deu a elas o nome de “áreas rurais consolidadas”, e criou um instrumento para legitimá-las: os planos de regularização ambiental. Tudo muito sustentável, como é de se supor.
De lá para cá criou-se um verdadeiro cabo-de-guerra na sociedade, com organizações, como a Confederação Nacional da Agricultura – CNA, defendendo que ele deveria ser imediatamente aprovado “em nome da produção de alimentos para o país e o mundo”, e outras, como a SBPC e muitas organizações socioambientais, defendendo que ele não poderia ser aprovado daquela forma pelos vários impactos que teria sobre nossa biodiversidade, nosso clima e nossas águas. Inclusive uma nota técnica da Agência Nacional de Águas veio afirmar que as alterações propostas seriam um desastre para a produção e conservação de águas no país.
Com toda essa movimentação, o governo federal, tardiamente, resolveu intervir para modificar o texto, já que a Presidente Dilma havia se comprometido durante as eleições a vetar qualquer projeto que diminuisse os padrões de proteção da lei ou promovesse uma anistia irrestrita a todas as ilegalidades cometidas até hoje. Dessa forma, ficou durante meses debatendo internamente qual seria seu posicionamento, já que há divergências entre o Ministério do Meio Ambiente e o da Agricultura, por exemplo, até chegar a um texto de consenso. Só que a essa altura o projeto dos ruralistas, capitaneado pelo relator Aldo Rebelo (PCdoB/SP) já havia ganhado musculatura, de forma que o governo resolveu negociar com o relator, que é bastante próximo ao Planalto, alterações em seu texto e não um substitutivo global.
Desde então as negociações vinham ocorrendo nos gabinetes do Palácio do Planalto, e sucessivas alterações foram sendo feitas no texto. Só que elas não foram divulgadas à sociedade. Dessa forma, na noite da última quarta-feira, dia 11 de maio, o país assistiu, estarrecido, a quase aprovação pela Câmara dos Deputados de um projeto cujo conteúdo sequer os deputados conheciam. A aprovação só não ocorreu porque, em cima da hora, alguns deputados perceberam que o relator Aldo Rebelo havia incluído “novidades” no texto que não haviam sido combinadas com o governo federal, com quem ele vinha negociando nas últimas semanas.
É um absurdo que um assunto dessa importância seja tratado dessa maneira. Não é possível que em um país democrático um projeto de lei de tamanha importância, que visa revogar uma lei em vigor há 46 anos, seja discutido e votado no calar da noite, sem que a sociedade tenha prévio conhecimento de seu conteúdo e de suas consequências. Mas mais absurdo ainda é o conteúdo do referido projeto, que só então pôde ser conhecido por todos.
Apesar de o texto, por intervenção direta – e atrasada – do governo federal, estar um pouco melhor do que aquele aprovado na Comissão Especial em julho de 2010, ele continua muito aquém do que a sociedade espera de uma lei florestal para o século XXI. Legitima muitas das ilegalidades cometidas contra nossas florestas nas últimas décadas, misturando situações legítimas – áreas legalmente ocupadas quando a legislação era menos restritiva – com outras derivadas de má-fé e afronta a legislação. Abre espaço também para mais desmatamentos, ao enfraquecer ou desvirtuar vários dos dispositivos da legislação atual, sem apresentar praticamente nada que indique um novo patamar na conservação e uso sustentável de nosso patrimônio florestal. Quem quiser conhecer uma análise mais completa do texto pode acessar o site do ISA.
A luta agora é ver se engolimos essa proposta e caminhamos para trás, ou se conseguimos modificar o rumo dessa história e aprovar um texto que represente o País que queremos no futuro.
(*) Advogado e coordenador adjunto do Programa Política e Direito Socioambiental

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