Matagal, lixo e invasões: a triste rotina dos esquecidos Célio de Barros e Júlio Delamare
Fechados desde 2013 e vizinhos do Maracanã, equipamentos que já foram referências em alto rendimento seguem sem previsão de reabertura. Governo do Estado trava briga com Comitê Rio 2016
Por Flávio Dilascio, Rio de Janeiro
14/02/2018 11h02 Atualizado há 4 horas
Matagal, lixo acumulado, entulho e até relatos de invasões. Quem passa pelo entorno do Complexo do Maracanã se depara com dois templos do esporte brasileiro em aparente estado de deterioração. Referências no atletismo e na natação até um passado recente, o Estádio de Atletismo Célio de Barros e o Parque Aquático Júlio Delamare estão fechados desde 2013. Pior, ambos não têm previsão para serem reformados, muito menos para reabrirem as portas. O Célio de Barros é administrado pela Suderj (Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro), autarquia vinculada à Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude (Seelje) do Rio. Já o Júlio Delamare é alvo de conflito entre a Suderj e o Comitê Rio 2016, que já foi dissolvido.
- Seria um sonho poder, em algum momento, utilizar um parque aquático como o Júlio Delamare. Eu tenho muito carinho pelo local, pois participei da inauguração em 1979, também bati meu primeiro recorde sul-americano lá, aos 14 anos. Entendo que, hoje, ele pode ser utilizado tanto em alto rendimento, quanto em iniciação esportiva e aulas para idosos. O Júlio Delamare sempre esteve lá para isso. É um parque completo. Infelizmente existem questões que nos impedem de utilizá-lo, mas esperamos que essa situação mude - afirmou o gerente geral de esportes da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), Ricardo Prado.
Júlio Delamare em aparente estado de abandono (Foto: Flávio Dilascio)
Os problemas nas duas praças esportivas são visíveis. Nas proximidades das grades que cercam os dois complexos esportivos, há uma quantidade razoável de lixo acumulado, aparentemente vindo da rua. A parte do Célio de Barros voltada para a Avenida Professor Manoel de Abreu foi tomada por um grande matagal. Próximo à "entrada B" do Maracanã, há entulhos e pedaços de reboco da arquibancada. O esqueleto do estádio também virou abrigo de animais de rua. Diaramente, moradores da região deixam água e comida para as dezenas de gatos e cachorros que vivem no local.
Soterrado durante a reforma do Maracanã para Copa do Mundo de 2014, o Célio de Barros tinha a previsão de reabrir em 2017, segundo promessa feita pelo antigo secretário de Esporte, Lazer e Juventude do Rio, Marco Antônio Cabral. Logo após o fechamento, o antigo estádio foi utilizado como almoxarifado das obras do Maracanã. A partir do fim da Copa do Mundo, uma parte descampada do Célio de Barros - hoje concretada - passou a ser usada como palco de eventos, festas particulares e até estacionamento para os jogos de futebol. Competição de atletismo mesmo, o estádio não recebe desde janeiro de 2013.
Mesmo sem a pista, arquibancada do Célio de Barros resiste ao tempo (Foto: Flávio Dilascio)
- Vejo com muita tristeza essa situação toda - resumiu Carlos Alberto Lancetta, que presidia a Federação de Atletismo do Estado do Rio no momento do fechamento do Célio de Barros. - Ali está a história do atletismo brasileiro. Foi no Célio de Barros que, em 1981, o Joaquim Cruz bateu o único recorde mundial conquistado em solo brasileiro. Lá competiram e treinaram todos os ícones do nosso esporte, como a Maureen (Maggi), o Nélson Prudêncio... Lutei bastante pelo não fechamento do estádio. Pelo menos a luta não foi em vão, pois desistiram de demolir o Célio de Barros para transformar em anexo do Maracanã. Hoje, há uma liminar que determina a reconstrução, mas, com o estado falido, vai ser complicado vermos que isso aconteça tão cedo - completou.
Fundado em 25 de outubro de 1974, o Célio de Barros ocupa uma área total de 18.714m² dentro do Complexo do Maracanã. Antes de ser fechado, o estádio possuía 15.501m² de área construída, 756m² para estacionamento e 457m² de jardins. A capacidade era de 9.143 pessoas. Pelo local, passaram lendas do atletismo como Sergei Bubka e Michael Johnson, que competiram no Célio de Barros no fim dos anos 90. Palco do Meeting Internacional entre 1996 e 2001, o estádio recebeu outras competições importantes como o Troféu Adhemar Ferreira da Silva e o Troféu Brasil de Atletismo.
Matagal visível do lado de fora do Célio de Barros (Foto: Flávio Dilascio)
Estado e Rio 2016 divergem sobre Júlio Delamare
Localizado do outro lado do Complexo do Maracanã, o Júlio Delamare vive realidade não muito diferente à do Célio de Barros. Do lado de fora do equipamento esportivo, é possível ver muito mato e lixo acumulado junto à grade. Até o fim de 2017, invasões faziam parte da rotina do local. Como a piscina está cheia, menores costumavam violar a grade para usar o parque aquático para lazer nos momentos em que não havia nenhum segurança presente.
Parque Aquático Julio Delamare vive momento de abandono e invasões
No último sábado, o GloboEsprote.com esteve no local. Na ocasião, dois agentes patrimoniais faziam a segurança interna do Júlio Delamare. As grades, porém, estavam cheias de remendos, o que indica que a estrutura foi arrombada diversas vezes há pouco tempo. A Seelje afirmou que vem fazendo a manutenção do parque aquático periodicamente. Uma firma de segurança também "reforçou os trabalhos no local" nas últimas semanas. Em dezembro, o presidente da Suderj, José Ricardo Brito, havia dito que fechara uma parceria com a Polícia Militar para evitar as invasões.
- Estamos tomando medidas emergenciais. Uma delas é uma parceria com a PM, que tem deixado uma viatura em frente ao estádio - disse o presidente da Suderj.
Grade cheia de remendos indica que o Júlio Delamare foi invadido recentemente (Foto: Flávio Dilascio)
Segundo a Secretaria, o órgão teve de assumir a gestão do Parque Aquático Júlio Delamare, uma vez que o Comitê Rio 2016 "abandonou" o equipamento. Como já foi dissolvido, o Comitê não respondeu as acusações do Governo do Rio. Por conta dos programas de incentivos fiscais dados à Rio 2016, o Comitê teve de investir R$ 10 milhões na reforma da piscina, que não vem sendo utilizada.
Projetado pelos arquitetos Rubens Cozzo, Ricardo Labre e Cândido Lemos, o Parque Aquático Júlio de Lamare foi inaugurado em setembro de 1978. Desde então, o local foi palco de grandes eventos esportivos de natação, pólo aquático, nado sincronizado e saltos ornamentais. O equipamento ocupa uma área de 18.515m², com capicidade para 5.712 espectadores. O nome do parque aquático é uma homenagem ao jornalista esportivo Julio Delamare, grande incentivador de sua construção. Delamare faleceu em 11 de julho de 1973, num acidente aéreo em Paris.
Depósito de lixo dentro do parque (Foto: Flávio Dilascio)
Confira a nota da Seelje sobre o Célio de Barros e o Júlio Delamare:
A Suderj, autarquia vinculada à Secretaria de Estado de Esporte, Lazer e Juventude (SEELJE), esclarece que os trâmites para que o Parque Aquático Júlio Delamare retorne para o estado foram iniciados. Preventivamente, até a conclusão desse processo, o órgão reassumiu o parque, uma vez que a Rio 2016 abandonou o local antes da conclusão dessa tramitação. A limpeza vem sendo realizada pela empresa que já presta serviços para a Suderj e uma firma de segurança reforçou os trabalhos no local. A Suderj já estuda a possibilidade de acionar juridicamente à Rio 2016.
Pelo contrato assinado, o equipamento deveria ter sido devolvido em novembro de 2016, mas como as obras de readequação não foram concluídas, a Rio 2016 solicitou a prorrogação desse prazo de entrega por quatro vezes, pois o descumprimento contratual desse item prevê multa diária de R$ 10 mil. Por sua vez, em vistoria realizada em agosto de 2017, constatou-se que o parque apresentava inúmeros problemas de infraestrutura. Esse mesmo contrato ainda determina uma vistoria de devolução a ser realizada por uma comissão técnica – trabalho já iniciado – para avaliar as condições de uso do Júlio Delamare.
Ao fim de todo esse processo, a proposta da Suderj é retomar o seu uso com as atividades que já ocorriam por lá anteriormente, voltadas para o alto rendimento e o desenvolvimento esportivo social, como escolinhas de natação, nado sincronizado, saltos ornamentais, entre outros, além de diversos eventos esportivos. Para isso, vem-se procurando obter parcerias com a área esportiva e setores da iniciativa privada.
Em relação ao Estádio Célio de Barros, a Suderj, também esclarece que o mesmo está desativado desde 2011. Atualmente, uma comissão técnica, formada por servidores da Emop, avalia estruturalmente o espaço para definir a proposta de uso. Paralelamente, o órgão vem buscando parceria na esfera privada para angariar fundos e na esfera esportiva para a manutenção e implantação de projetos no local.
Fonte: ge Olimpidas
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