“Se Deus quer que eu ande, quem sou eu para desobedecer?”, afirma Lídio Toledo
O ortopedista Lídio Toledo Filho, de 38 anos, prepara-se para voltar a operar em 2013. Em pé. Não seria nenhum feito, não fosse o médico paraplégico. Há cinco anos, ele seguia para uma festa de réveillon quando dois adolescentes, numa motocicleta, fizeram sinal para que parasse o carro. Não obedeceu. Foi atingido por três tiros – um no maxilar, outro no antebraço esquerdo e o terceiro “transfixou o pulmão e o diafragma, explodiu o baço e se alojou na vértebra T7″, nas palavras do próprio médico.
Segundo dos três filhos do ortopedista Lídio Toledo, médico da seleção brasileira por seis Copas do Mundo, Lídio Filho se preparava para assumir a clínica fundada pelo pai quando sofreu a lesão. Acordou 19 dias depois no CTI do Hospital Samaritano, onde ficaria ainda por mais um mês. Ao todo, foram 82 dias de internação. “Se existe algum purgatório na Terra, eu passei por ele”, resume.
Ao acordar, não sentiu as pernas. Sabia, por experiência médica, que estava paraplégico. Ainda assim, o primeiro pensamento foi sobre quando poderia voltar a trabalhar. Recebeu apoio da família – até mesmo da mulher, a pedagoga Maria Silene Trajano, também ferida no assalto. “Como homem, minha autoestima estava no pé. O fato de ela não ter me abandonado foi muito importante para mim”.
O irmão caçula, o ortopedista Luiz Fernando, dedicou-se aos cuidados com o médico. “Ele abdicou de um ano da vida dele como médico, até adiando a residência, para ficar ao meu lado”, disse Lídio.
Meta
Especialista em joelho, o médico continua fazendo cirurgias, apesar de estar afastado do serviço público
O médico tinha um objetivo: voltar a operar. Seguiu para a fisioterapia no Sarah Brasília, mas não se adaptou. Concluiu o tratamento na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação, na zona sul do Rio. Em 28 de agosto de 2008, oito meses após o assalto, voltou a clinicar. “Pedi divórcio do teto”, brinca.
Intensificou a terapia ocupacional e a musculação para recuperar o movimento da mão esquerda – o nervo interósseo anterior havia sido afetado pelo tiro. Fez a primeira cirurgia em 15 de novembro de 2008. Especialista em joelho, ele já operava sentado. A diferença é que agora o centro cirúrgico tem uma cadeira de rodas totalmente esterilizada, que não circula por nenhum outro lugar.
Na primeira operação, o médico foi acompanhado por outro especialista, para o caso de algo dar errado. Não foi necessário. “Nunca tive nenhum problema, nenhuma cirurgia teve infecção. Opero até melhor do que antes da lesão”, afirma o médico, que disse ficar tão concentrado que “até esquece” que é paraplégico.
A recuperação devolveu a alegria a Lídio Toledo, que morreu em maio de 2011, em decorrência de problemas cardíacos e insuficiência renal. Ele acompanhava as cirurgias do filho.
Chegaram a operar os quatro juntos – o pai e seus três filhos ortopedistas, Lúcio, Lídio Filho e Luiz Fernando.
Mas Lídio Filho não estava satisfeito. Aposentado por invalidez pelo serviço público – não pode trabalhar nas emergências, em que as cirurgias são mais complexas, ele quer operar em pé. Acreditava que voltaria às grandes emergências com ajuda de uma órtese que o ajudasse a ficar de pé. Hoje, tem esperança de retornar sem nenhum suporte.
Em outubro passado, voltou a sentir a coxa direita. Três dias depois, a sensação se estendia até o joelho esquerdo. Em 10 dias, os músculos da perna se contraíam. Ele também recuperou a sensibilidade no órgão sexual. “Quatro anos e nove meses depois, praticamente sem fazer nenhum tratamento, tudo isso aconteceu. Se Deus quer que eu ande, quem sou eu para desobedecer?”.
Lídio Filho intensificou a fisioterapia. Faz quatro sessões semanais, além de hidroterapia e musculação. Já levou bronca porque os músculos dos braços e do tronco estão flácidos. Precisa de força para ganhar o controle do tronco. “Não foi minha lesão que me deu uma lição. Mas a minha recuperação. A minha missão é cuidar bem dos pacientes, tratar direito”, afirma o médico, que pretende se “desaposentar” do serviço público. “Vou voltar às emergências”, diz, confiante.
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Fonte: Estadão